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Do dolo eventual por omissão na guarda de Pitbulls e outros animais

28 de abril de 2025Updated:28 de abril de 202518 Mins Read
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Sociedade de risco, dolo sem vontade e outros temas

É consenso geral que o ser humano se insere em uma “sociedade de risco”. Jakobs afirma “não ser possível uma sociedade sem riscos”, e a vida moderna tem demonstrado uma alta velocidade na evolução dos mesmos. Muitas vezes, o direito penal se mostra incapaz de acompanhar tal evolução; por outras, acaba por exagerar na resposta, que vem excessiva e populista, com pouco cunho jurídico. Claus Roxin, de outro lado, trabalhou com maestria os conceitos de risco proibido e permitido, apontando-os como cerne na responsabilização penal, e suas lições se mostram de grande valia ao intérprete que pretende aplicar o direito penal eficaz e justo.

O brasileiro comum, inserido em uma das mais perigosas sociedades de risco da atualidade, passou a conviver com inúmeros perigos, da “bala perdida” ao “golpe de internet”, sendo consenso que o poder público atualmente é falho no seu papel de protetor. Um risco menos notado, mas também letal, passou a se tornar quase que comum no cotidiano: os ataques de cães agressivos, principalmente do tipo Pitbull, com lesões graves ou morte, viraram notícia frequente nas mídias de praticamente qualquer cidade da federação.

No direito brasileiro, a Constituição Federal de 1988 estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental, mas o faz com a perspectiva de que esse direito é essencial à qualidade de vida humana. Essa visão é considerada antropocêntrica, uma vez que a carta magna visa a proteção ambiental como instrumento de garantia da saúde e qualidade de vida das pessoas. 

Não obstante, a jurisprudência tem caminhado em um sentido ecocêntrico: no campo cível, há gradativa evolução na guarda de animais, com fixação até mesmo de alimentos; no penal, a recente e importante qualificadora do art. 32 da Lei de Crimes Ambientais, estabelecendo pena significativamente maior no caso de maus-tratos de cães e gatos (2 a 5 anos de reclusão), possibilitando prisão em flagrante sem possibilidade de fiança pelo(a) Delegado(a) de Polícia.

No entanto, essa evolução também revela desafios jurídicos complexos, sobretudo diante de espécies de animais cuja guarda representa riscos substanciais à coletividade. É o caso dos cães de raças do tipo Pitbull, cujos ataques a terceiros (humanos ou não) têm se tornado tragicamente comuns, impulsionando discussões sobre a responsabilidade penal de seus tutores diante de condutas omissivas. Em âmbito nacional, no que diz respeito a ataques com morte de pessoas, somente no ano de 2023, foram 51 vítimas, um crescimento de 27% em relação a 2022, quando foram registrados 40 óbitos (dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde). O número representou a maior quantidade de casos em quase 30 (trinta) anos.

Interessante apontar que não existe, atualmente, uma raça de nomenclatura “Pitbull” reconhecida pelo American Kennel Club. Em regra, o termo se refere à raça “American pit bullterrier”, mas há ao menos outras quatro costumeiramente apontadas como “Pitbulls”: English bullterrier, American bulldog, Boxer e o American Staffordshireterrier.

Isso ocorre porque o termo “Pitbull” tem origem na prática do “bullbaiting”, uma modalidade de “esporte” antigo que envolvia a utilização de cães de algumas raças para dominar um touro em uma arena. Os cães utilizados eram chamados de “Pitbulls”, e por possuírem força e capacidade de mordedura acima do normal, foram também utilizados em rinhas de cães. Para os fins propostos neste artigo, portanto, “Pitbull” será o termo empregado para fazer referência a cães da raça American pit bullterrier e outras similares.

A necessidade de um tratamento jurídico diferenciado para a guarda de cães do tipo Pitbull encontra fundamento tanto em dados empíricos quanto em características inerentes às próprias raças. Os Pitbulls foram selecionados por gerações com ênfase em força, resistência à dor e impulsividade combativa. Se o direito penal há muito trata de maneira distinta o mestre em artes marciais que lesiona alguém, o mesmo raciocínio deve ser aplicado ao dono de cães agressivos que causa tragédias em famílias inocentes.

A exemplo dos cães ovelheiros, que mesmo filhotes já demonstram comportamentos de pastoreio sem qualquer adestramento prévio, os Pitbulls carregam em sua herança genética traços comportamentais moldados por séculos de seleção voltada à combatividade. Essa memória instintiva — ainda que influenciada por fatores ambientais — não pode ser desconsiderada na análise dos riscos inerentes à guarda desses animais, e tampouco ignorada pelo Direito Penal, sob pena de se tratar de forma idêntica o que é manifestamente desigual, contrariando o princípio da proporcionalidade.

Além dos aspectos genéticos e comportamentais, a realidade fática corrobora a urgência de um olhar jurídico mais atento sobre os riscos relacionados à guarda de Pitbulls. Estatísticas e casos noticiados de forma recorrente evidenciam que ataques envolvendo raças deste tipo são desproporcionalmente responsáveis por lesões corporais graves e mortes, especialmente quando comparados com outras raças caninas. A frequência e a gravidade dos ataques praticados por esses animais mostram um padrão consistente que justifica a adoção de medidas penais mais severas para tutores negligentes ou omissos, exigindo do Estado uma resposta proporcional e eficaz.

Na cidade de Campo Grande/MS, especificamente, os casos de ataques com lesões graves ou morte, praticamente 100% das vezes, envolvem cães de raças do tipo Pitbull. Não apenas isto, mas ocorrem com frequência, e representam nítido caso de “cifra negra”: grande parte dos casos sequer chega ao conhecimento das autoridades, e, ainda assim, a parcela que chega representa um número significativo e que se manteve relativamente estável nos últimos anos.

Casuística

Feita esta breve introdução, propomo-nos, em um segundo momento, a apresentar a análise casuística de dois fatos ocorridos na capital mencionada, de forma a abordar a problemática com exemplos. Ambos os casos se deram em virtude de reiterada omissão nos cuidados necessários à tutela de cães do tipo Pitbull, resultando em ataque e morte de outros cães.

No caso “A”, R. O. S., de 63 (sessenta e três) anos, tinha deixado seu Pitbull escapar por três vezes: em cada uma das duas anteriores, havia levado a óbito cães de vizinhos, e já respondia por termo circunstanciado. Na terceira, ocorrida em Agosto de 2024, matou o segundo cachorro de um dos mesmos vizinhos anteriormente lesados, ou seja: foi responsável pela morte de dois animais de estimação da mesma pessoa.

Já no caso “B”, J. V. M. S., de 20 (vinte) anos, também havia permitido a fuga de seu Pitbull por diversas vezes, tendo atacado outros cães e vizinhos, mas nenhum dos casos foi registrado. Na data de 20 (vinte) de fevereiro do ano corrente, o animal novamente escapou, desta vez disparando em direção a duas crianças que brincavam na rua. Um cão da raça Maltês, da mãe das crianças, tentou interceptar o Pitbull, de forma a defender os infantes, sendo então atacado pelo animal, que o arrastou por centenas de metros até finalmente matá-lo.

Em ambos os casos, optou-se pela autuação em flagrante dos suspeitos pelo crime mais grave, previsto no art. 32 da Lei de Crimes Ambientais. Neste cenário, entretanto, se abrem ao operador do direito, em regra, ao menos duas possíveis vias. 

A primeira, e mais comum, é a tipificação da conduta como omissão de cautela na guarda ou condução de animais, contravenção penal prevendo pena de prisão simples, de dez dias a dois meses, ou multa. Tal opção resultará na elaboração de Termo Circunstanciado de Ocorrência, com liberação do(a) suspeito(a) após assinatura.

A segunda, menos frequente – e aplicada em ambos os casos mencionados -, imputa o crime ambiental de maus-tratos a animais, qualificado por se tratar de cão, e majorado por ter ocorrido a morte do animal, ensejando reclusão de 2 (dois)  5 (cinco) anos, acrescentada de um sexto a um terço, além de multa e proibição da guarda. Esta via possibilita prisão em flagrante e até mesmo representação por prisão preventiva ou medidas cautelares diversas, sem possibilidade de arbitramento de fiança pela autoridade policial.

Em ambos os flagrantes, houve homologação da prisão e, no caso de R. O. S., até mesmo representação pela prisão preventiva por parte do parquet. O juízo em questão optou por manter a tipificação, arbitrando liberdade provisória mediante fiança de R$ 5.000,00. Posteriormente, entretanto, outro membro ministerial pediu a desclassificação para o crime de menor potencial ofensivo, o que foi acatado pelo juízo, demonstrando que a matéria é controvertida.

Nossa opção pela tipificação mais grave resulta de dois fundamentos, sendo um estritamente técnico-jurídico, e outro de política criminal.

Sob o primeiro ângulo, nos parece claro que a contravenção penal mencionada é subsidiária, se tratando de crime-meio: a omissão na cautela do animal correspondeu a mero ato executório no iter criminis de um crime muito mais grave, qual seja, o de causar, dolosamente, a morte de outro cão, mediante ato de maus-tratos.

Sob o segundo, não se pode olvidar que a infração de menor potencial ofensivo mencionada possui pouquíssimo efeito prático. Na ampla maioria dos casos de ataques graves de cães do tipo Pitbull, a situação já ocorreu por diversas outras vezes, não chegando ao conhecimento das autoridades, ou chegando e se transformando em termo circunstanciado efetivamente desprezado pelo(a) suspeito(a), que acaba pagando um baixo valor pecuniário na transação penal.

Outro ponto muito relevante a se apontar é que, ao contrário do crime ambiental, a contravenção penal não estabelece proibição da guarda do animal, de forma que o(a) suspeito(a) poderá continuar com o cão, independentemente do número de mortes que causou.

Além disso, a opção pela contravenção penal impõe um perigoso precedente, que poderá expor a autoridade policial a um futuro dilema entre manter a ordem pública ou a própria coerência. Explica-se: imaginemos que, em vez de causar a morte de outro cão, o Pitbull cause a morte de uma criança de 4 (quatro) anos – o que, inclusive, acontece com certa frequência.

Como poderá, o mesmo operador do direito que optou pela contravenção na morte do animal, justificar a autuação em flagrante por homicídio doloso na morte da criança?

Para manter a coerência técnico-jurídica, será obrigado a punir um resultado gravíssimo – a morte de uma criança na primeira infância – com a assinatura de um termo e imediata liberação do(a) suspeito(a) ou, na melhor das hipóteses, com o homicídio culposo, com pena máxima de 3 (três) anos e fiança. Não nos parece razoável, e é nitidamente desproporcional que assim o faça.

Ora: se o agente pode ser punido pelo dolo eventual quando causa a morte de um ser humano, como justificar que não o seja na morte de um animal?

Nos parece nítido que, tanto em um quanto em outro caso, é perfeitamente possível a atuação dolosa, na modalidade dolo eventual por omissão. Se o agente optou, de livre e espontânea vontade, por possuir um cão com instinto agressivo, e é reiteradamente indiferente na sua cautela, resta claro que, a depender do caso concreto, poderá ficar demonstrado que assumiu, efetivamente, o risco da produção do resultado.

Ao assumir espontaneamente a grande responsabilidade de ter sob sua tutela um animal com potencial letal a outras pessoas e animais, o dono do cão se investiu no que o direito define como “posição de garante”. Ao garante, o Código Penal (art. 13, §2º) impõe um dever jurídico de agir para evitar o resultado, sob pena de responder pela omissão imprópria. 

Ao adquirir um cão do tipo Pitbull, o dono do animal automaticamente declara à sociedade que possui as diversas habilidades e instrumentos necessários a garantir que o animal jamais irá ferir terceiros. Ser omisso nestas cautelas é quebrar a boa-fé com comportamento contraditório e, mais que isso, gerar risco proibido à comunidade em que vive.

Nos parece perfeitamente natural, diga-se, assumir que qualquer dono de Pitbull saiba, considerando a abundância de casos amplamente noticiados, que seu cão é capaz de matar outros animais e seres humanos, caso escape. Cabe investigar se, no caso concreto, houve omissão tamanha que revele efetiva assunção de risco, com possibilidade de conduta dolosa, ou se houve mera culpa.

Em ambos os casos mencionados, nos parece ter ocorrido omissão dolosa, principalmente pela questão da reiteração na fuga do animal, com ocorrência pretérita de morte de outros cães. Esta situação específica parece demonstrar que o suspeito, mesmo sabendo da alta periculosidade de seu animal – que já provocou resultados graves outras vezes -, ainda assim se furta de tomar as medidas necessárias para que não fuja novamente, comportamento que aponta, sim, verdadeira assunção do risco de produção do resultado.

Se a alegação de que “não sabia” da periculosidade do animal de raça intrinsecamente feroz já encontra fraco respaldo nos casos de episódio único, nos parece impossível crer que o dono que já viu seu animal matar outros e, ainda assim, permite sua fuga, possa ter agido com qualquer outra coisa que não o dolo eventual.

Entendemos que a tipificação destas graves condutas como mera contravenção penal, com pena ínfima, causa grave insegurança na ordem pública, tornando vizinhanças inteiras reféns de um único habitante irresponsável. O cenário se mostra idêntico em praticamente todos os casos graves que chegam ao conhecimento da polícia: inúmeros habitantes da vizinhança são atacados pelo animal, sofrendo injusta restrição diária em seu direito de ir e vir, até que o cão provoca alguma morte e finalmente é noticiado o crime, apenas para que o(a) suspeito(a) assine um termo, pague um valor inexpressivo e continue aterrorizando a comunidade local.

Trata-se de indesejada proteção estatal deficiente, causando graves prejuízos, reiteração criminosa e perda efetiva de vidas. Neste sentido:

“Sem embargo, a proibição do excesso revela-se apenas como uma de suas faces. O desenvolvimento teórico dos direitos fundamentais como imperativos de tutela (deveres de proteção) tem sugerido que a estrutura da proporcionalidade conta com variações que fazem dela decorrer, ao lado da proibição do excesso, a proibição de infraproteção ou de proteção deficiente (Untermassverbot) a um direito inequivocamente reconhecido como fundamental”.

Interessa-nos, na discussão aqui proposta, analisar a conduta dos agentes sob o prisma do moderno direito penal, que já não se contenta, em alguns setores doutrinários importantes, com o dolo puramente psicológico. Luís Greco fala sobre o “dolo sem vontade”, propondo um dolo cognitivo, em substituição ao dolo volitivo; Paulo Cesar Busato, abandonando o finalismo, adota em seu manual a teoria da “ação significativa”, e, em âmbito internacional, Claus Roxin falava no “direito penal da responsabilidade”, abordando os conceitos de criação de risco proibido ou incremento de risco permitido.

A evolução das teorias do dolo, na doutrina pátria, já possibilita o tipo de construção aqui realizada, considerando que começa a questionar a prova quase que diabólica necessária para comprovação do dolo no finalismo e teorias semelhantes. Mostra-se inviável (e desnecessário) adentrar com precisão cirúrgica no íntimo convencimento do infrator penal, sendo mais plausível uma análise mais objetiva de seu comportamento. Conforme lição de Rauali Kind:

“O funcionalismo busca uma imputabilidade calcada em critérios mais objetivos, demandando uma reconstrução dos tipos penais em bases mais normativizadas, com padrões standard de comportamento, dever, cuidado, conhecimento, responsabilidade, risco, etc. Sendo assim, haveria uma releitura do elemento subjetivo do crime, menos voltado para o conhecimento efetivo do autor e sua intenção subjetiva e mais focado em suas capacidades, deveres de conhecimento e cognoscibilidade. Com essa proposta, busca-se eliminar a dificuldade de se demonstrar o dolo do autor em uma dada situação concreta, facilitando o enquadramento do fato típico.

Denota-se, então, que o principal objetivo da normativização dos conceitos penais, dentro da concepção funcionalista, é conceder ao Direito Penal um maior alcance e uma maior previsibilidade, reduzindo consideravelmente o conflito entre normais penais em um mesmo fato. Neste aspecto, a normativização representaria uma vantagem para a sociedade em termos de segurança jurídica, já que os limites que separam o agir lícito do agir ilícito seriam mais objetivos, de forma a permitir decisões penais mais coerentes e uniformes”.

De fato, é comportamento esperado de donos de Pitbulls que não apenas reconheçam o potencial letal do animal, mas se comportem de maneira a impedir que tal potencial se traduza em danos efetivos. A aquisição de um animal de alta periculosidade, repita-se, é opção do infrator, sendo perfeitamente plausível a sua punição a título de dolo no resultado mais grave, já que, assumindo voluntariamente a responsabilidade pelo potencial de causar morte de outros animais e pessoas, sua falha com este dever de cuidado traduz-se em verdadeira assunção do risco de tais resultados danosos.

Nos casos abordados, a postura dos autuados também apresentava grande semelhança: ambos alegaram jamais imaginar que seus Pitbulls causariam o resultado morte de outros animais. Como já demonstrado, nestes casos particulares, tal afirmação nos soa imediatamente absurda, pois ambos os cães já haviam causado resultado semelhante; tanto um quanto outro já haviam causado a morte de outros animais, não havendo que se afirmar, em sã consciência, surpresa que continuem agindo da mesma forma.

Nos parece cristalino, portanto, que ao menos nestes casos o dolo eventual é manifesto: se o resultado já havia sido causado outra(s) vez(es), e os agentes não tomaram as cautelas necessárias para evitá-lo, resta nítido que ao menos assumiram o risco da produção do resultado morte de outros cães. A pergunta é: e se a situação fosse diferente, e seus cães nunca tivessem escapado, ou, tendo escapado, nunca tivessem atacado outros animais?

Nestes casos específicos, nos parece que o dolo eventual adentra zona cinzenta, não havendo como se afirmar, prima facie, sua possibilidade. Torna-se necessário, portanto, o ingresso nas complexas teorias antes mencionadas, de forma a obter a correta, justa e proporcional aplicação do direito penal.

Elucidativa é a lição de Luís Greco, ao abordar o tema do dolo sem vontade:

O dolo é expressão de desafio ou, pelo menos, de indiferença à vigência da norma, é expressão de que o autor não reconhece a norma como um padrão de comportamento a que está vinculado. Um tal sentido pode ser expressado não apenas por comportamentos praticados com conhecimento em sentido psicológico, mas também por comportamentos em que falte esse conhecimento, se essa falta decorrer da indiferença do autor. Estes casos de desconhecimento por indiferença, em que o comportamento do autor tem a mesma carga expressiva e, por isso, merece o mesmo reproche que o comportamento de alguém que sabe o que sabe, são batizados por Jakobs de “cegueira diante dos fatos” (Tatsachenblindheit) (grifo nosso).

Este raciocínio se encaixa perfeitamente nos casos aqui mencionados, de forma que esta é a descrição mais precisa da postura de alguns donos de Pitbull: permitem que seu cão mutile outras pessoas e animais, ou até mesmo os mate, protegendo-se sob um manto de cegueira diante dos fatos, como se não fosse responsável pelo animal, nem tivesse optado livremente por aquela raça específica, e a fuga fosse um mero caso fortuito. Episódio após episódio, furtam-se no dever de incrementar a segurança com o animal, mantendo-o no mesmo ambiente, com as mesmas cautelas falhas de antigamente, e, depois, apresentando surpresa quando o resultado gravoso se repete não uma, mas diversas vezes.

E o autor arremata:

Observe-se que a objeção aqui formulada contra o conceito volitivo de dolo não se refere nem ao problema de definição, nem ao de prova. Estes problemas, é claro, existem. O primeiro deles, o problema de definição, diz respeito a que há uma série de teorias volitivas no mercado, cada uma se referindo a um estado psíquico diverso — consentimento, assunção do risco, assunção aprovadora do risco, decisão contra um bem jurídico etc. —, sendo que nunca se explica bem no que uma teoria difere da outra. O segundo deles, o problema de prova, diz respeito ao fato de que, qualquer que seja o elemento volitivo que se considere correto, nunca é realmente possível provar a sua existência de maneira compatível com as exigências da presunção de inocência e do in dubio pro reo.

Por enquanto, deve apenas ficar assente o princípio geral que deverá orientar-nos nessa tarefa: para que se possa falar em dolo, tem o autor de agir com conhecimento tal que lhe confira o domínio sobre aquilo que está realizando. Ou seja, ao menos em parte o dolo acaba se tornando uma questão de tipo objetivo: o autor tem de conscientemente criar um risco de tal dimensão que a produção do resultado possa ser considerada algo que o autor domina (grifo nosso).

 Como afirmado, a sociedade de risco é dinâmica, impondo aos operadores do direito inúmeros desafios na busca pelo sistema penal ideal. Não raro, os atores deste sistema atuam de forma sensacionalista, expandindo indevidamente o ramo que deveria atuar com ultima ratio.

Não nos parece, de forma alguma, o que aqui propomos. A interpretação acima exposta possui respaldo técnico-jurídico, independe de mudança legislativa e traz, ao mesmo tempo, uma visão voltada também para a política criminal. Sem prejuízo dos aspectos penais, mostram-se necessárias medidas administrativas mais eficazes, de forma a remediar um problema social que já se mostra crônico nas comunidades, tira vidas inocentes e não pode ser negligenciado pelos diversos atores que compõem o poder público.

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