No panorama global contemporâneo, a violência sexual continua a ser um flagelo persistente que desafia os fundamentos da justiça e da equidade de gênero. Os casos recentes envolvendo os jogadores de futebol brasileiros, Robinho e Daniel Alves, lançam luz sobre as complexidades e desafios enfrentados pelo sistema jurídico no combate à cultura do estupro e na garantia da responsabilização pelos crimes de violência sexual.
O caso de Robinho representa um marco importante na luta contra a impunidade, especialmente quando se trata de indivíduos influentes e notáveis na sociedade. O jogador foi condenado na Itália por participação em um estupro coletivo ocorrido ainda em 2013. A sentença, validada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) brasileiro no dia 20/03/2024, determinou o início imediato da execução da pena no Brasil. A defesa de Robinho argumentou, durante o processo, que a relação sexual foi consensual e que não houve qualquer tipo de violência. No entanto, as evidências apresentadas pelo Ministério Público italiano e os depoimentos das vítimas foram determinantes para a condenação do jogador. A decisão do STJ em validar a sentença italiana representa um marco importante na luta contra a impunidade, principalmente porque determina o imediato início da execução da pena no Brasil, o que demonstra um compromisso claro com a aplicação da lei de forma igualitária e sem privilégios. Elogios devem ser direcionados à celeridade e à determinação do sistema judicial em assegurar que nenhuma pessoa, independentemente de sua posição social ou econômica, esteja acima da lei.
Porém, deve-se destacar que o caso ainda não se findou. No dia 21/03, a defesa do jogador Robinho impetrou Habeas Corpus diretamente ao Supremo Tribunal Federal com o objetivo de evitar sua prisão imediata no Brasil. Nesse ponto, aguarda-se os desdobramentos.
Ainda no final do dia 21/03, o Habeas Corpus impetrado pela defesa do jogador Robinho foi julgado pelo STF. O Ministro Luiz Fux rejeitou o pedido de liberdade, ipsis litteris:
“Considerados os fundamentos expostos a longo deste voto, não se vislumbra violação, pelo Superior Tribunal de Justiça, de normas constitucionais, legais ou de tratados internacionais, caracterizadora de coação ilegal ou violência contra a liberdade de locomoção do paciente.”
Imediatamente, o mandado de prisão foi expedido pela Justiça Federal de Santos e, logo cumprida pela Polícia Federal. Após a audiência de custódia, Robinho seguirá para o centro de detenção de Santos.
No entanto, apesar dos avanços representados pela decisão do STJ, não podemos ignorar as deficiências sistêmicas que ainda persistem no combate à violência sexual. A cultura do estupro, enraizada em normas sociais prejudiciais e estereótipos de gênero, continua a perpetuar um ambiente propício para a ocorrência desses crimes e para a culpabilização das vítimas. A responsabilização individual, embora crucial, deve ser complementada por esforços mais amplos de conscientização e educação para combater as atitudes e comportamentos que permitem a violência sexual prosperar.
Já no caso de Daniel Alves, destaca as disparidades flagrantes dentro do sistema judicial, especialmente no que diz respeito ao tratamento diferenciado dado a indivíduos influentes e financeiramente privilegiados. Apesar de moroso e complexo, o jogador foi condenado a 4 anos e 6 meses de prisão na Espanha por estupro. A sentença foi proferida após uma investigação minuciosa e a apresentação de evidências convincentes pelo Ministério Público espanhol.
Apesar das insistentes contestações da defesa neste último caso, principalmente no sentido de menosprezar a vítima, revitiminzando-a, a condenação foi mantida, e o jogador aguarda os desdobramentos do processo. A possibilidade de sua libertação iminente levanta questões profundas sobre a equidade e a justiça dentro do sistema legal. A defesa de Daniel Alves, assim como a de Robinho, sustenta que as relações sexuais foram consensuais e que não houve qualquer violência envolvida.
A possibilidade de pendente decisão de libertação, apesar da condenação por estupro, levanta questões profundas sobre a equidade e a justiça dentro do sistema legal. A preocupação com a impunidade para figuras públicas como Daniel Alves não pode ser subestimada, pois mina a confiança do público na integridade e imparcialidade do sistema jurídico.
Além das questões processuais e legais, é fundamental abordar as questões mais amplas relacionadas ao crime de estupro e ao funcionamento do sistema de justiça. A concessão de fiança em casos de estupro, especialmente para indivíduos com recursos financeiros, levanta sérias preocupações sobre a equidade e a justiça dentro do sistema judicial. A proteção concedida aos autores de crimes sexuais com base em sua condição econômica mina a confiança do público na integridade do sistema jurídico e perpetua a impunidade.
Essa prática, que beneficia desproporcionalmente os privilegiados, ressalta a necessidade urgente de reformas para garantir uma aplicação mais justa e equitativa da lei, sem distinção de classe social ou status econômico.
Outro ponto que clama atenção convergente são as questões legais e processuais. É crucial abordar o impacto devastador que casos de estupro têm sobre as vítimas, especialmente no que diz respeito à revitimização e à descredibilização de suas experiências. Muitas vezes, como nesses casos, as vítimas são submetidas a interrogatórios agressivos e humilhantes durante os processos judiciais, o que pode retraumatizá-las e minar sua confiança no sistema de justiça. A cultura do estupro, que tende a questionar a credibilidade das vítimas e a culpabilizá-las por suas próprias agressões, perpetua um ciclo de silenciamento e impunidade que precisa ser quebrado.
Verifica-se, por fim, que os casos de estupro envolvendo Robinho e Daniel Alves se destacam não apenas em razão da importância na responsabilização individual por crimes de violência sexual, mas também a necessidade de reformas sistêmicas para garantir uma aplicação mais justa e equitativa da lei.
Enquanto celebramos os avanços representados pela decisão do STJ no caso de Robinho, devemos permanecer vigilantes na busca por uma justiça verdadeiramente igualitária e acessível a todas as vítimas de violência sexual. A revitimização das vítimas e a descredibilização de suas experiências devem ser combatidas com firmeza, a fim de garantir que todas as vozes sejam ouvidas e que todas as formas de violência sejam enfrentadas com determinação e empatia.
Aos desdobramentos, haverá de se estar atentos e atentas.
Rafaela Lobato: Delegada de Polícia da PC/MS lotada na 1ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Campo Grande/MS. Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal. Pós-graduada em Direito Público. Capacitada em Direito da Mulher. Especialista em Investigação Cibernética. Foi fundadora do 1ª Escritório de Advocacia para Mulheres e LGBTQ+ do Tocantins.